quinta-feira, 12 de novembro de 2020

A igreja e o voto

Semana de eleições e começamos a ouvir os mesmos discursos de sempre, que afirmam que nós, cristãos, não devemos votar nulo, em branco, ou em candidatos da esquerda, pois isso é errado perante Deus. 

Nesse texto tentarei explicar a importância do voto, e fazer a devida separação entre os deveres seculares e os deveres cristãos. Tenhamos em mente que o Estado é laico, e nas eleições estaremos elegendo representantes de todo o povo, e não apenas representantes da igreja. 

O voto é o maior símbolo da democracia, e temos que levar a sério o ato de escolher um candidato, pois isso pode decidir o futuro de nossa sociedade. Devemos analisar racionalmente e usar nossos filtros morais para escolher. Não precisamos exercer nossa fé para escolher um candidato, mas devemos exercitar nossa fé, orando e intercedendo, para que os nossos representantes sejam guiados por Deus para ajudar a combater as desigualdades que assolam nosso país.

O voto não é um ato de fé, não é ato profético (expressão que sequer existe na Bíblia), é apenas uma decisão que precisamos tomar, mediante uma série de fatores seculares. Por exemplo, se um candidato evangélico é reconhecidamente corrupto, não precisamos usar nossa fé, mas apenas analisar o fato dele ser corrupto, e não votar nele.

A escolha deve ser racional, meticulosa, bem fundamentada em fatos concretos, e jamais deverá ser baseada puramente na fé e na esperança. 

Campanha eleitoral na igreja é crime: 

Pastores e líderes precisam pregar o Evangelho, e jamais fazer campanha de candidatos dentro dos templos, embora eles possam, como cidadãos, manifestar apoio a algum candidato fora do templo. Muitos se preocupam em obrigar os cristãos a votarem em determinados candidatos, e caem no erro de cometerem crime eleitoral, fazendo campanha e propaganda nas igrejas, o que é proibido pela Lei 9.504/97 

Não é só permitir que um político faça campanha dentro da igreja, mas também permitir que qualquer membro ou líder use o púlpito para defender este ou aquele candidato. O púlpito da igreja é para anunciar o Evangelho!

Voto branco ou nulo: 

A Palavra de Deus nos mostra que, mesmo sendo cidadãos do Reino, temos obrigações aqui neste mundo também, como cidadãos brasileiros, pois temos, por enquanto, dupla cidadania (do Reino e do mundo, neste caso, brasileiros). Jesus deixou isso claro quando afirmou: "Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus". (Lc 20:25).

Analisando a questão da dupla cidadania, podemos concluir que temos deveres diante de Deus e da Nação, sendo um desses deveres à Nação, o voto. Logo, participar do processo eleitoral é um dever do cristão. Mas esse dever se refere ao ato de participar de alguma forma, e não em quem ou em quê você vai votar. 

Se devemos cumprir nossas obrigações, e votar é uma delas, temos o direito de escolher qualquer opção que a Justiça Eleitoral nos dá, e o direito de anular ou votar em branco faz parte disso.  

Em alguns casos, até mesmo deixar de votar e justificar a ausência, desde que seja por motivos verdadeiros, é uma opção que temos diante da Justiça.

Obedecemos a Lei de Deus e, depois, as leis dos homens. Se a lei dos homens nos garante o direito de votar nulo e a Lei de Deus nada fala especificamente sobre isso, não cabe a igreja obrigar as membros a votarem em algum candidato.  

Não estou incentivando o voto nulo ou branco, mas estou defendendo o direito ao voto que, infelizmente, alguns líderes eclesiásticos tentam controlar.  

Voto na direita ou na esquerda: 

Outro erro terrível é achar que os cristãos só podem votar em candidatos da direita! Isso é errado. O cristão pode votar em qualquer candidato que ele ache bom, seja da direita, do centro ou da esquerda. 

Assim como a corrupção está espalhada por todos os lados, os escassos bons candidatos também estão espalhados. Muitos partidos deixam claro quais são suas ideologias, mas outros escondem, e acabam enganando os eleitores. Precisamos estar atentos! O país precisa de saúde, educação, segurança... e um candidato precisa estar atento a essas áreas, e oferecer soluções para os problemas da sociedade. Não estamos escolhendo nossos familiares ou pastores, estamos escolhendo nossos representantes nas câmaras municipais e prefeituras das cidades. 

Caro amigo eleitor e cristão, você é livre para votar em quem desejar, não se deixe levar por pressões dos militantes extremistas, sejam da direita ou da esquerda. Estude, pesquise, analise e vote com consciência. 

Não perca o foco! Pregue o Evangelho, avalie individualmente as melhores propostas dos candidatos, mas não faça do período eleitoral uma cruzada eclesiástica contra esse ou aquele candidato. A Igreja é celestial, o voto é secular! Não misture as coisas. Estamos em tempos de democracia, e não de Teocracia. 

O Evangelho não é de esquerda e nem de direita, o Evangelho é vertical! Anunciando as boas novas do Reino, aos moradores da terra. 

Por Diego Rodrigo Souza