quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Quem são os 11 mil (Sl 91)?


“Mil cairão ao teu lado, e dez mil, à tua direita, mas tu não serás atingido” (Sl. 91:7) 

 O Salmo 91 é uma poesia belíssima sobre segurança e confiança em Deus. Não à toa, muitos o utilizam como um amuleto. A cada versículo lido, poderia surgir uma expressão de louvor a Deus pela vitória e salvação que encontramos nEle. 

 É muito comum em toda a Bíblia, mas principalmente nos livros poéticos, ver o contraste entre a recompensa dos justos e o castigo dos ímpios e esse paralelo também pode ser encontrado no Salmo 91. No entanto, não em todo ele. 

 O contexto mostra ataques diretos do inimigo, como “laço” e “seta”, mas, no geral, mostra lutas e desafios que todos podem enfrentar no curso natural da vida humana, como “pestes”, “mortandade”, “praga” e “tropeço”. 

 É ainda mais plausível quando nos deparamos, por exemplo, com a situação atual do mundo, em meio à pandemia e à insegurança. 

 Sendo assim, será que os onze mil se referem a inimigos que nos cercaram e Deus abateu? Na verdade, o texto fala sobre ser “atingido”. Se existem pessoas ao meu redor e são atingidas em meu lugar, elas são necessariamente inimigas? Ou estão ao meu lado porque são dos meus? 

 Em ambos os casos, imagine-se em uma posição onde existem mil caídos ao teu lado e dez mil, à tua direita. Não é uma visão bonita, certo? Apenas destruição. 

 Por que Deus, infinito em sua bondade, enquanto se exalta a segurança que encontramos nEle, permitiria tantas quedas? 

 “Aquele, pois que cuida estar em pé, olhe que não caia. Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que vos não deixará tentar acima do que podeis; antes, com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar.” (I Co. 10:12-13) 

 Deus livrou ao povo de Israel do cativeiro egípcio; todo o povo esteve debaixo da mesma nuvem e seguiu a mesma coluna de fogo; todo o povo comeu do mesmo maná e bebeu da mesma água saída da pedra. Então por que, daquela geração, apenas Josué e Calebe herdaram a promessa que foi feita a todos eles? Apenas dois entre dois milhões. A proporção é até mais assustadora do que a do Salmo 91. 

 I Coríntios 10:5 deixa claro que “Deus não se agradou da maior parte deles”, enquanto o contexto fala sobre tentações. A segurança de Deus está disponível a todos os homens, mas, tal como a salvação, nem todos desfrutarão dela. A segurança de Deus é para os que resistem às tentações. Deus nos capacitou com toda a armadura espiritual para que possamos resistir, porque a segurança de Deus não anula a necessidade pela nossa vigilância e perseverança. 

 “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, havendo feito tudo, ficar firmes.” (Ef. 6:13). 

 A banda americana Casting Crowns possui uma música chamada Slow Fade (em tradução literal, Lento Desvanecer), que possui o seguinte trecho: 

É um lento desvanecer quando você se entrega, 
Um lento desvanecer quando o preto e o branco se tornam cinza. 
E pensamentos invadem, escolhas são feitas, um preço será pago 
Quando você se entrega, 
As pessoas nunca desabam em um dia, 
É um lento desvanecer, é um lento desvanecer. 

A jornada da sua mente até suas mãos 
É mais curta do que você pensa. 
Cuidado se você pensa estar de pé, 
Você já pode estar afundando. 

 Muitas pessoas que já estiveram sentadas nos bancos de nossas igrejas e se desviaram deram sinais de que estavam se desviando. 

 Moisés, em sua última canção, conta a história de como o povo de Israel se esqueceu de Deus e de quais seriam as consequências dessa atitude. Em uma das profecias de ruína, aparece a expressão “ao tempo em que resvalar o seu pé”. Resvalar é o mesmo que escorregar. 

 Podemos andar por lugares escorregadios durante algum tempo sem cair, mas, se andamos em lugares escorregadios, não precisamos de nada além do que nosso próprio peso para cair. A queda é súbita e assusta aos que observam. “Era ministro de louvor e hoje está no mundo!”; “Pregava a palavra e não acredita mais em Deus!”; “Estava em todos os cultos e, do nada, mudou!”. Mas se afastar das veredas da justiça é um processo, como andar por lugares escorregadios, um lento desvanecer. 

 Sim, este texto é um convite à vigilância nas pequenas coisas, nas que “não tem nada a ver”, nas que “todo mundo faz”. Mas é mais do que isso. 

 “É melhor serem dois do que um, porque têm maior paga do seu trabalho. Porque, se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante.” (Ec. 4:9-10) 

 Este texto também é um convite a olhar para o próximo com cuidado. Estar rodeado pelos onze mil não quer dizer, necessariamente, que qualquer um deles seja nosso companheiro. Mas deveria. Não podemos sozinhos sustentar onze mil. Mas talvez possamos levantar alguém. Em termos numéricos, não é muito expressivo. Mas, para quem foi levantado, é um valor inenarrável. 

 O próprio Jesus dava valor às vidas. Em Lucas 10, ele orienta seus seguidores à missão dos setenta, a todas as cidades e lugares, “de dois em dois”. Jesus também sabia que os obreiros não são muitos. Obreiros não são os números do rol de membros. Obreiros são todos os que verdadeiramente trabalham em prol do Reino de Deus. E, se não somos muitos, precisamos ter ainda mais cuidado pelos nossos. 

 Salvação é individual. Mas a vida que Cristo nos deu na cruz precisa ser transbordante, a mensagem do Evangelho que recebemos de graça precisa ser compartilhada. A porta e o caminho para a vida eterna são estreitos, difíceis. Jesus, inclusive, diz que muitos tentarão andar por esse caminho e entrar por essa porta e não conseguirão (Lc. 13:24). Com certeza, queremos estar entre os que conseguem. Mas, mais do que isso, há muitos rostos que queremos ver conosco do lado de lá. 

 “Irmãos, se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, encaminhai o tal com espírito de mansidão, olhando por ti mesmo, para que não sejas também tentado. Levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo. Porque, se alguém cuida ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo.” (Gl. 6:1-3) 

 Estar de pé não significa que somos melhores do que os que caíram. Devemos olhar uns aos outros com cuidado, perdão e mansidão. Devemos estender mãos antes de apontar dedos. Devemos nos afastar dos caminhos escorregadios, para que nunca estejamos entre os onze mil. Devemos pedir a Deus que nos ajude a levantar ao menos um entre os onze mil. E, quando conseguirmos, mais um. 

 “Todas as veredas do SENHOR são misericórdia e verdade para aqueles que guardam o seu concerto e os seus testemunhos.” (Salmos 25:10).

Por Josy Negrin.